Apelo à participação na Cimeira Social para o Clima em Madrid

Além da COP25: Povos pelo Clima

 

As decisões unilaterais, por um lado, do governo chileno de Sebastián Piñera de cancelar a realização da COP 25 no Chile, ignorando o trabalho de meses já realizado pelos movimentos sociais chilenos e latino-americanos e, por outro lado, do governo de Pedro Sánchez para albergar o evento, forçam os movimentos sociais espanhóis a assumir uma tarefa sobre a qual não foram consultados, num prazo quase inviável para garantir uma participação e uma resposta social adequadas.

Cientes do claro eurocentrismo que implica realizar uma COP num país europeu pelo terceiro ano consecutivo, aceitamos o desafio de articular protestos e críticas contra essas políticas como uma enorme responsabilidade. Fazemo-lo com raiva e impotência diante das injustiças e atrocidades cometidas contra o povo chileno, por solidariedade e apoio à decisão de se continuarem a realizar a Cimeira dos Povos e a Cimeira Social para a Acção Climática no Chile, bem como com determinação em tentar criar um espaço onde as suas vozes possam também ser ouvidas.

Condenamos veementemente as violações de direitos humanos no Chile e exigimos o seu fim imediato. A declaração de guerra do governo contra o povo chileno é um ataque à democracia e à luta pela justiça social. Exigimos que os responsáveis por essa repressão sejam punidos. Queremos colocar sob os holofotes o facto de que os protestos sociais no Chile, e noutras partes do mundo, são também uma expressão da crise ambiental. O paradigma do crescimento económico ilimitado está a esmagar a humanidade contra os limites planetários que o sistema económico insiste em tornar invisíveis.

Vivemos em tempos de convulsão em genuína emergência ecológica, climática e social. O diagnóstico científico é evidente quanto à seriedade e urgência do momento. O crescimento económico acontece às custas das pessoas mais vulneráveis: pessoas vítimas de racismo, indígenas, pessoas que vivem em áreas rurais, pobres, migrantes, LGBTQI, comunidades na vanguarda da resistência… E também ocorre às custas do nosso ambiente, de outras espécies e dos ecossistemas. As mulheres, que fazem parte de todos esses colectivos, são afectadas de maneira diferente e são vítimas das piores consequências do modelo capitalista patriarcal cisgénero.

Como activistas sediados na Espanha e na União Europeia, queremos aceitar a responsabilidade de expôr o papel explorador das regiões ricas do mundo e do seu papel fundamental na criação de “zonas sacrificadas” em países empobrecidos através do extractivismo nos recursos culturais, materiais e energéticos, o qual destrói comunidades e bens comuns. Vivemos em países que promovem o consumo e a destruição da humanidade e da natureza, impondo os nossos modelos e visões mundiais a outras partes do planeta.

Nesses mesmos países, que possuem grande capacidade militar (especialmente armas nucleares), é promovido um novo conceito de securitização climática, a fim de proteger os seus interesses através da ocupação de nichos de energia importantes e deixando o controle das principais tecnologias relativas à transição energética nas mãos de grandes empresas de segurança, enquanto a militarização das fronteiras aumenta e a terra é tomada em larga escala em todo o planeta. As alterações climáticas continuarão a alimentar conflitos armados, guerras e violência em grandes dimensões entre comunidades.

A partir desta posição privilegiada, comprometemo-nos a assumir a responsabilidade pelo nosso passado, presente e futuro em comum. Rebelamo-nos para mudar esse sistema letal.

É necessário expor a hipocrisia dos governos que fracassaram nas negociações climáticas ao longo de décadas, ao mesmo tempo que protegem os tratados de comércio e investimento como ferramentas de domínio do capital, com o objectivo de perpetuar o desequilíbrio de poder que permite o luxo de uns poucos à custa do sofrimento da maioria, acumulando, privatizando e financiando esferas da vida cada vez maiores. Esses mesmos governos alimentam a indústria de combustíveis fósseis com subsídios milionários e protegem e salvam bancos fósseis que lucram com a crise climática e a devastação ambiental e social.

O papel das empresas transnacionais espanholas e europeias em regiões como a América Latina, levou a um período sombrio de 500 anos de colonialismo, aprofundando a crise ambiental e minando as possibilidades da soberania dos povos. Hoje, o Chile é a expressão do esgotamento das políticas neoliberais e extractivistas em todo o continente. A América Latina é o Chile e o Chile é a América Latina.

Acreditamos na justiça climática como a espinha dorsal das lutas sociais do nosso tempo: a sustentabilidade é impossível sem justiça social e a justiça não existe sem respeito por todos os seres que vivem no planeta. A justiça climática é o guarda-chuva mais amplo que existe para proteger toda a diversidade de lutas por outro mundo possível: ambientalismo, activismo climático, feminismo, LGBTIQ+, sindicalismo, anti-racismo, anti-fascismo, anti-militarismo, movimentos anti-coloniais, movimentos indígenas, movimentos rurais… Promovemos a justiça climática como um movimento de movimentos em que muitos mundos diversos se podem encaixar.

Comprometemo-nos a trabalhar para dar visibilidade às exigências que garantam uma transição justa realizada com rapidez suficiente para evitar novas catástrofes, como o aquecimento acima de 1,5°C ou o colapso dos ecossistemas e da sociedade. É necessário tomar decisões baseadas na ciência. A comunidade científica já indicou claramente a necessidade de não extrair a maioria dos combustíveis fósseis do solo de modo a obter reduções nas emissões de gases com efeito de estufa que estejam em linha com o desafio climático.

É por isso que nos rebelamos contra modelos extractivistas ligados à produção e consumo de combustíveis fósseis em todo o mundo, além de rejeitarmos com especial ênfase o uso civil e militar da energia nuclear.

Reivindicamos a mudança radical no modelo de mobilidade, que leve à redução do transporte em massa de mercadorias e pessoas – que é responsável, entre outros problemas, pelo turismo excessivo e a gentrificação nas cidades, gerando sérias desigualdades sociais. O modelo de transporte deve, ao mesmo tempo, mitigar o crescente isolamento das áreas rurais, uma das causas do seu crescente despovoamento.

Denunciamos as tentativas de promover falsas soluções como as baseadas em geo-engenharia, as quais procuram manter o status quo do sistema de produção actual, afastando o foco das verdadeiras soluções, e que nos ameaçam com impactos desiguais numa escala planetária que, uma vez mais, sacrificam primeiro as comunidades mais desfavorecidas.

Denunciamos também a imposição de um modelo de produção e consumo que não reconheça os alimentos como um direito e que é responsável pela crise climática e pela crise de biodiversidade que condena mais de 800 milhões de pessoas à fome. Exigimos uma transição agro-ecológica que promova sistemas justos e sustentáveis que respeitem a soberania alimentar das pessoas.

Da mesma forma, denunciamos a imposição de um modelo de produção e consumo baseado no uso de produtos descartáveis que, mais uma vez, afecta sobretudo os mais pobres. As enormes quantidades de resíduos produzidos pelos países enriquecidos são transferidas principalmente para os países do Sul, forçando as comunidades e grupos mais vulneráveis desses lugares a viver numa espiral de pobreza, violência e condições insalubres.

Por outro lado, a explosão social chilena e sua brutal repressão mostram que a crise civilizacional que enfrentamos também é uma crise democrática. Precisamos avançar na construção de modelos de sociedade mais democráticos, que garantam a tomada de decisões colectivas colocando o bem comum no centro. A este respeito, a decisão de transferir a COP25 para Madrid também significa uma perda democrática, pois compromete o trabalho de meses de numerosas redes, grupos e organizações em todo o mundo que agora não podem participar da maneira que desejariam.

Somos solidários com aqueles que mais sofrem e com os trabalhadores e comunidades que estão na linha de frente da resistência em todos os continentes. Somos solidários com aqueles que são os menos responsáveis pela crise climática e com os que mais sofrem os seus impactos. Apoiamos todas as pessoas, independentemente do género, origem, idioma, raça, etnia, habilidades físicas, orientação sexual, experiência, idade ou crença.

Apelamos a que pessoas e grupos se rebelem contra um sistema capitalista opressivo que expulsa cada vez mais pessoas – muitas das quais são obrigadas a migrar dos seus territórios – e esgota cada vez mais as fundações que sustentam a vida. Apelamos a todos a participar na resposta social à COP25 e a criar redes e comunidades em face desta crise climática, que é apenas o sintoma mais visível de um sistema profundamente injusto.

Convidamos todas as pessoas e grupos que se sintam compelidos por estas reivindicações a participar da construção da Cimeira Social do Clima, a que se rebelem, propondo e construindo comunidades. Diante do aumento da repressão e das estratégias para dividir e desmobilizar movimentos, mostraremos mais unidade do que nunca na luta comum pela justiça.

Cumbre Social por el Clima – COP 25 en Madrid 6-13 de diciembre